quarta-feira, 25 de março de 2009

O Retorno de Angelim - Um Fantasma da Cabanagem


Aproximadamente 16 anos já haviam se passado desde que Eduardo Angelim, a frente dos cabanas realizou os levantes populares na província do Pará, pondo a ferro e sangue, o dia a dia da província, mesmo assim a simples menção de seu nome, ainda causava o espanto e o terror de muitos. O seu retorno a província no primeiro semestre de 1851, causou um agitamento a muito não visto na cidade de Belém, haja vista o ódio e receio ainda guardado por muitos moradores da capital provincial em relação a ele.

Os periódicos da época, o definiam com dezenas de epítetos entre eles:

“Angelim 1º Gram- Commendador da Ordem Estranguladora, Lente jubilado nas do roubo – furto – rapina – latrocínio – pilhagem – pirataria – estupro – defluração – violação – incêndio – chamma – fogo – combustão e abrasamento.”

Era Bastante nítido que o período sangrento de 1835-1836, ainda não haviam sido, apagados da memória popular, que o fantasma de Angelim, sempre estaria a pairar sobre a província, mesmo que aos olhos do governo este leão já estivesse domado, pelos anos que passou em Fernando de Noronha.

O terceiro presidente cabano havia sido capturado em 1836 pelo então presidente Francisco José de Sousa Soares de Andréa, sendo remetido a fortaleza da Barra, para posteriormente ser enviado ao Rio de Janeiro. Depois de julgado, Eduardo Angelim recebeu a anistia imperial, porem voltando a envolver-se em questões políticas acabou por ser exilado.

Já em 1840, quando o chefe de policia do Rio de Janeiro enviou, a bordo do Brigue Pavona, o ex-chefe dos Cabanos, Eduardo Angelim, para que o então presidente da Província do Pará Pio do Santos, lhe desse destino, a província ressentiu-se com o temor de um novo levante, que nada mais seria do que o sétimo na lista dos organizados por este revolucionário. A reclamação foi tamanha que em representação do povo foi enviado o juiz de paz Sr. Manoel Fernandes Ribeiro para interceder junto ao presidente e não permitir nem ao menos o desembarque de Angelim no solo paraense. A apelação foi atendida e o revolucionário transferido para a corveta Amazonas e posto para fora da província.

Esse novo retorno e o pavor da população não escaparam aos olhos do restante do império, tendo o jornal do Comercio assim se expressado:

“Cauzaram alguma sensação n’aquella Capital (Pará) a chegada de Eduardo Angelim, que acabou o tempo de degredo na Ilha de Fernando...”

O mesmo periódico da capital do império em 28 de julho, voltou a relatar a indignação da população paraense a cerca do retorno de Angelim:

“...A presença deste homem naquella província tem suscitado grande animosidade em toda a população, que não póde ver diante dos olhos o autor de tantas centenas de victimas que perecerão a ferro frio durante aquella guerra Barbara e fratricida...”

O temor era tanto que, assim que se tomou conhecimento que Angelim encontrava-se novamente em solo paraense e que seu irmão Geraldo, também havia retornado, as terras da província, as autoridades locais baseadas no fato de que, no momento da anistia de Geraldo, o termo que assinou, incluía a de que deveria residir fora da província por 6 ou 9 anos, decretaram sua prisão.

Em uma tentativa de buscar auxilio no caso da prisão de seu irmão, Eduardo Angelim, escreve uma carta para o padre Henrique de Resende, onde pede a sua proteção. Ocorre que não recebe resposta positiva e de acordo com o Correio dos Pobres, ao tomar conhecimento de quem se tratava assim se expressou o padre, a respeito de Angelim:

“...se por ventura a justiça soubesse fazer os seus deveres no Pará, já há muito que teria feito presente ao diabo da cabeça de Eduardo salgada n’um côfo.”

Muitos de seus atos ainda estavam vivos na memória da população e algumas de suas vitimas também, mas mesmo para os que poderiam ter esquecido os acontecimentos sangrentos, alguns periódicos, destacando-se entre eles o Correio dos Pobres, resolveram reavivar a memória popular e passaram a fazer circular impresso em suas paginas, algumas das barbaridades cometidas pelo cabano.

Um destes casos foi o do assassinato do Comandante José Maria Nabuco, que sofreu um tiro a queima roupa, mesmo depois de ter se rendido, pelas mãos do próprio Eduardo Francisco Nogueira Angelim. Sendo que a barbárie foi completada pelo seu irmão Geraldo Francisco Nogueira Gavião, que descarregou um golpe de espada, contra o corpo já inerte do comandante, com o intuito de lhe decepar a cabeça, não alcançando seu intento devido a interferência do mulato Martinho Salazar que desviou o golpe.

Estes relatos seguiram-se de outros, e resultaram em seqüências de correspondências, oriundas das mais diversas partes da província, que nada mais consistiam em aprovações de cidadãos da província em relação à barbárie dos irmãos Angelim.

“... Que uma grossa quadrilha de ladrões com Eduardo á frente se apossou do bairro da Campina no dia 14 de agosto de 1835, assassinou a todos quantos encontrou, roubou, deflorou, incendiou... He um verdadeiro canibalismo de mãos dadas com a sua irman gemia – Insureição!”


Nestes termos foi descrita as atitudes de Angelim por um correspondente de Abaité.

Os ataques a Eduardo Angelim, não paravam de se propagar pela imprensa paraense, tendo seu ápice no dia 14 de agosto do ano de 1851, quando estampando tarja preta, sinônimo de luto, o Correio dos Pobres, decretou aquele dia com o “dia do pranto, luto e horror! Dia do décimo-sexto aniversario desse fatal dia 14 de agosto de 1835, em que uma espantosa chusma de homens elludidos, capitaniados pelo gênio da Discordia representado na pessoa de Eduardo Angelim, invadio de mão armada esta bella Capital, e no coração della abrio a scena da mais horrorosa barbaridade!”

Ocorre que os ataques não eram unilaterais, atrás do periódico Echo Pernambucano, uma voz se levantava para defender o ex líder cabano, e assim se expressava acerca das acusações que se repetiam nos jornais paraenses:

“não poucos corcundas paraenses ligados a uma cúpula de gallegos de Portugal querem por faz ou por nefas enforcar no Pará o nosso amigo Eduardo Francisco Nogueira Angelim, paraense, distincto por suas nobres qualidades, esquecendo uns e outros que elles se prepara um próximo e futuro de luto, e morte.”

O artigo soava aos ouvidos dos opositores de Angelim como uma clara ameaça a integridade dos paraenses e a paz publica. Por um lado, o artigo pernambucano não deixava de ter alguma razão, uma vez que, alguns elementos da sociedade paraense, realmente acreditavam que Angelim deveria ser novamente julgado, por seus crimes que ocorreram anterior ao período estipulado pela anistia, ou seja, o crime cometido contra o comandante José Maria Nabuco, não estava incluído no período de tempo, beneficiado pela anistia.

A base legal que servia de sustentação a estas alegações era de que de acordo com a constituição do Império em seu artigo 101, afirmavam que o Imperador exerce o Poder moderador, e possui como prerrogativa através do § 8 o poder de Perdoando e moderando as penas impostas aos Réos condenados por sentenças. E Eduardo Angelim ainda não havia sido sentenciado por seu crime de 1834.

As tentativas de defender Eduardo Angelim, somente pareciam dar mais lenha para a fogueira que se criava ao seu redor. A tipografia de Justino Henriques da Silva intensifica os ataques e faz publicar em suas paginas, um relação das pessoas mortas em Santarém e seus arredores, ao qual era embutida a ordem de execução ao ex galé de Fernando de Noronha.

O próprio Angelim tentava defender-se, e como mecanismo passou a solicitar um grande numero de volumes do Echo Pernambucano, para circular na capital paraense, visto que, o periódico era-lhe bastante favorável e não deixava de expressar em suas paginas as qualidades e benesses que Angelim poderia exercer sobre a província.

Se algum cidadão da província não recordava mais dos fatos deste período, agora estes eram memória viva. Apesar de não se envolver mais em política de forma direta, pelo período que lhe restou de vida, a simples existência de Eduardo Angelim era uma contestação ao statu quo da política provincial.

Um comentário:

Ianê P.Bezerra Lameira disse...

Muito bom o artigo. Parabéns primo!